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A reforma tributária do ICMS e o pacto federativo

Amanda Silvy – abril de 2015

Este brevíssimo estudo tem como escopo principal a compreensão do Tributo como “instrumento jurídico de abastecimento dos cofres públicos”[1] motivo pelo qual, a outorga de competências tributárias pela Constituição Federal possui o condão de instituir autonomia financeira ao Ente tributante, sejam eles Municípios, Estados ou a própria União.

No Brasil há o debate acerca da dependência econômica dos Estados e Municípios à União, comprometendo severamente a autonomia prevista no texto constitucional, pois não há que se falar em autonomia sem a devida capacidade financeira.

Neste cenário, tem-se o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) como imposto de competência estadual, sendo a principal fonte de recurso dos estados-membros. Ocorre que, dada a importância de tal imposto, este é envolto por uma problemática de “guerra fiscal”, o que acarreta o debate acerca de uma reforma tributária, visando reformulá-lo.
Isto pois, o sistema adotado pela Federação brasileira, principalmente no que tange ao ICMS e demais impostos sobre o consumo distribuídos em competências tributárias distintas, difere das demais federações, que instituíram um sistema unificado através do imposto sobre o valor agregado – IVA.[2]

A partir daí pode-se citar a unificação dos tributos sobre o consumo como uma das propostas mais recorrentes entre os doutrinadores para a Reforma Tributária do ICMS. Nesse sentido, há que se ponderar.

Das várias incidências tributárias que oneram a produção, a circulação e o consumo de mercadorias e serviços no Brasil, o imposto estadual (ICMS) é de longe a mais significativa (…) A reunião de todos os demais impostos e contribuições que indiretamente oneram o consumidor final de mercadorias e serviços em um único imposto abrangente sobre o consumo final de mercadorias e serviços, segundo o figurino do IVA, levanta a delicada questão da repartição de recursos. Um IVA estadual limitaria a competência tributária da União ao Imposto de Renda, a alguns poucos “excises” (fumo e bebidas) e aos tradicionais tributos sobre o comércio exterior (que não têm finalidade arrecadatória). Na outra ponta, os municípios quedariam restritos à tributação da propriedade imobiliária como fonte própria de recursos.[3]
Isso significa supor que, para fins de reforma tributária do ICMS instituindo-se o IVA, a competência estadual deste traria a problemática da significativa redução da competência da União e dos municípios.

Outro aspecto que se pode ressaltar acerca da reforma tributária do ICMS é o princípio da tributação na origem, ou seja, fica com a tributação o Estado no qual se inicia a operação tributável e não onde se conclui[4], com o consumo, tal como ocorre no IVA.

Destarte, o princípio da origem recebe ferrenhas críticas da doutrina, apontando-se a reforma quanto á metodologia de tributação do ICMS para o destino como uma alternativa à problemática no qual tal tributo está envolto:
Seu conceito como tributo sobre o consumo, numa adaptação do modelos europeus, não se inseriu de forma equitativa no Brasil, pois se utiliza como regra o princípio da tributação na origem, ou seja, fica com a tributação o estado no qual se inicia a operação tributável, e não onde esta se conclui, com o consumo, tal como no modelo europeu.[5]

No mesmo sentido:

Entre as medidas práticas para a solução dos problemas, talvez a mais contundente seja uma reforma tributária, que, entre outras coisas modifique a sistemática do ICMS, fazendo-o reger-se pelo princípio do destino, ou seja, um imposto a ser cobrado apenas no estado onde a mercadoria será consumida, ao contrário da sistemática atual.[6]
Tal alternativa é considerada pela doutrina, pois o princípio de tributação na origem possibilita a concessão de incentivos fiscais, gerando a guerra fiscal entre os Estados, assim, a reforma para a tributação no destino minimizaria essa prática. Deste modo:

(…) a guerra fiscal existe basicamente porque, na nossa legislação de ICMS, uma parte importante da tributação nas relações interestaduais fica no estado de origem e uma parte menor fica no estado de destino. Essa tributação na origem é que permite que um estado conceda um benefício, reduzindo o imposto que a empresa paga, e que esse benefício reduza o valor do imposto quando o produto é consumido num outro estado. Ou seja, a guerra fiscal existe porque nossa tributação, nas relações interestaduais, ocorre dominantemente na origem.[7]

Nessa perspectiva, a redução das alíquotas do ICMS nas relações interestaduais atrelada à mudança para a tributação no destino enfraqueceria as políticas de concessão de incentivos fiscais:

O governo federal tem uma proposta de reforma do ICMS para reduzir as alíquotas interestaduais e impossibilitar a concessão desses incentivos fiscais. Existem hoje duas alíquotas, de 12% e de 7%. Os estados que têm 12% de alíquota dão crédito de 10%, cobrando apenas 2%. Nossa proposta é que haja uma redução dessas duas alíquotas para um patamar próximo a 3% ou 4%. Dessa maneira, mudaríamos a cobrança do tributo, tirando da origem e transferindo para o destino uma parte maior do produto. Essa seria uma reforma importante no âmbito do ICMS, que daria mais conforto para a produção e mais estabilidade jurídica.[8]

Noutro norte, a metodologia de tributação no destino possibilita a distribuição da receita proporcionalmente ao consumo, minorando as disparidades regionais decorrentes da produção e beneficiando os estados mais pobres. Portanto, constata-se que:

Quando você tributa na origem, distribui a receita proporcionalmente à produção. Quando você tributa no destino, distribui a receita proporcionalmente ao consumo. Isso faz diferença porque a produção tende a ser mais concentrada regionalmente do que o consumo e, portanto, a tributação na origem acaba fazendo com que a própria receita tributária seja mais concentrada do que seria se fosse apropriada no destino. (…) Se tivéssemos a tributação no destino, quem ganharia, em termos de arrecadação, seriam os estados mais pobres do país, principalmente os do Nordeste.[9]

Neste norte, tem-se que o principal objetivo das propostas apresentadas para a reforma tributária do ICMS é a redução das desigualdades regionais, visando uma política redistributiva de receitas e um consequente federalismo cooperativo.

Verifica-se, portanto, uma convergência da doutrina para uma centralização tributária quando da propositura de reforma que vise à unificação dos tributos sobre o consumo. Tal medida minimizaria as dissonâncias do sistema federativo, principalmente no que tange à tributação do ICMS das operações interestaduais, simplificando-se a legislação tributária, consoante se depreende da dicção de Elali:

O mais sensato seria alterar-se a divisão de rendas tributárias, delimitando à União a competência para a instituição de um imposto sobre o valor agregado, englobando as materialidades do IPI, do ICMS e do ISS, não importando a denominação que se pretenda manter. Unificar-se-ia numa figura tributária toda a legislação, simplificando-se e mantendo-se percentuais de transferência para os entes estaduais e municipais, que, nada obstante perdessem tal competência, teriam a garantia constitucional da receita com a transferência.[10]

A harmonização da estrutura federalista, utilizando-se das propostas suscitadas, não esbarra no pacto federativo como cláusula pétrea, pois, a interpretação do disposto no art. 60, §4ª, I, da Constituição Federal deve ser realizada de forma a se obter uma macrovisão do Sistema Tributário Nacional. Assevera-se a possibilidade de se viabilizar o conteúdo das reformas apresentadas, sendo que:

Assim, é possível pela norma vigente uma reformulação de competências, permitindo-se, por exemplo, a criação de um imposto sobre o consumo, de competência da União e em substituição ao IPI, ao ICMS e ao ISS, tendo-se por destinação compulsória a repartição de receitas com os Estados e Municípios de forma a se manter a atual ordem de receitas. Com tal destinação, compulsória, manter-se-ia o nível de recursos necessários para a estruturação das entidades federativas.[11]

Entretanto, pondera-se acerca da tendência à centralização, pois não se deve permitir que ocorra uma violação do pacto federativo, porquanto se trata definitivamente de uma conquista da própria democracia. A priori, deve-se manter a atual estrutura de coexistência dos Entes federados, mas implementando-se uma reformulação de competências tributárias, com o fim de evitar que se prejudique todo o contexto nacional, tornando-se possível a implementação de políticas econômicas nacionais.[12]

Frente a isso, assevera-se que:

Uma eventual alteração na divisão de competências tributárias não seria uma violação à cláusula constitucional do pacto federativo, desde que atendesse aos já suscitados objetivos e mantivesse as transferências de ordem obrigatória. A cláusula pétrea prescreve a manutenção da estrutura federalista, e esta se manteria em qualquer das hipóteses suscitadas no corpo deste estudo.[13]

Desta forma, utilizando-se desta proposta, não ocorreria a supressão de autonomia dos Entes federados, haja vista que distribuição das receitas pela União lhes garantiria esta prerrogativa Constitucional, mantendo-se a estrutura federativa.

No entanto, caso não fosse implantada a reforma quanto à unificação e federalização dos tributos sobre o consumo, nos moldes do IVA, seria imprescindível, ao menos, uma mudança de menor impacto quanto à metodologia de tributação do ICMS na origem, adotando-se o princípio do destino, onde se conclui a operação tributável.[14]

Sabe-se que o método misto adotado pela federação brasileira, com alíquotas interestaduais inferiores às aliquotas internas tem se mostrado insuficiente para a harmonização da distribuição de receitas entre os estados, tendo em vista que, a guerra fiscal prejudica o contexto da Federação, desnaturando-se o perfil arrecadatório do ICMS[15], e, afastando-se os possíveis benefícios econômicos trazidos pela concessão de incentivos às empresas.

Portanto, conclui-se, que, um novo modelo para federalismo fiscal brasileiro deve pautar-se na reforma da tributação sobre o consumo, que se consubstancia no ICMS, propiciando a integração dos Entes federados, de modo a se perquirir a equalização na distribuição de receitas.
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[1] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 29
[2]  MENDES, Gilmar Ferreira; CAMPOS, Cesar Cunha. Federação e guerra fiscal. Vol. 3. São Paulo: FGV Projetos, 2011, p. 97
[3]REZENDE, Fernando. O Federalismo Fiscal no Brasil. Revista de Economia Política, v. 15, nº 3(59), jul./set. 1995, p.14.
[4]  ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 95.
[5] ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 95.
[6] CONTI, José Maurício (Org.). Federalismo fiscal. São Paulo: Manole, 2004, p. 157.
[7]  MENDES, Gilmar Ferreira; CAMPOS, Cesar Cunha. Federação e guerra fiscal. V. 3. São Paulo: FGV Projetos, 2011, p 147.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira; CAMPOS, Cesar Cunha. Federação e guerra fiscal. V. 3. São Paulo: FGV Projetos, 2011 p. 64.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira; CAMPOS, Cesar Cunha. Federação e guerra fiscal. V. 3. São Paulo: FGV Projetos, 2011 p. 148.
[10] ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 105.
[11]  ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 63.
[12] REZENDE, Fernando. O Federalismo Fiscal no Brasil. Revista de Economia Política, v. 15, nº 3(59), jul.- set. 1995, p.14.
[13] ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 106.
[14] ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 106.
[15] ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 99.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 29;
CONTI, José Maurício (Org.). Federalismo fiscal. São Paulo: Manole, 2004, p. 157.
ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema triutário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 95.
MENDES, Gilmar Ferreira; CAMPOS, Cesar Cunha. Federação e guerra fiscal. Vol. 3. São Paulo: FGV Projetos, 2011, p. 97;
REZENDE, Fernando. O Federalismo Fiscal no Brasil. Revista de Economia Política, v. 15, nº 3(59), jul./set. 1995, p.14.